Seguramente, depois dos atentados terroristas em Paris, muita gente está
se referindo aos terroristas como monstros, considerando monstruosos os
próprios ataques. De fato, desde o lançamento, pelo ex-presidente George W
Bush, da “guerra ao terror” e do combate ao “eixo do mal”, estabeleceu-se uma
narrativa política e midiática que tem repetido de diversas maneiras o que
observamos nas histórias de monstros criadas pela imaginação humana através dos
tempos: a figura do monstro nasce da necessidade de determinarmos a linha que
divide o humano do monstruoso, o bem, do mal.
Entretanto, como tentativas de oferecer parâmetros para definirmos o que
é humano e civilizado, as histórias de monstro inevitavelmente fracassam neste
objetivo, simplesmente porque a concepção de humano, do mal e do civilizado é sempre
historicamente localizada e, portanto, relativa, variável.
Assim, em cada história a aparição do monstro tem sempre o efeito
justamente contrário, isto é, de tornar cada vez mais borrada a linha que
determina quem é humano e civilizado, e quem é monstruoso; o monstro desperta
em nós o que temos de monstruoso.
Na realidade concreta dos atentados de Paris, a narrativa oficial das
instituições ocidentais e sua mídia aponta seu dedo acusador: o monstro é
islâmico, árabe, não branco, oriental, primitivo, bárbaro; nossa solidariedade
deve ser com a civilizada comunidade europeia e seus cidadãos, que cultivam a
liberdade, a fraternidade, a igualdade.
Mas, como nas narrativas ficcionais, o monstro chama a atenção para a
crescente dificuldade em determinar justamente o que é civilizado: entrando
pelas brechas da narrativa ocidental, explodem as acusações da barbárie
histórica do colonialismo ocidental. Se os terroristas matam em nome de Deus, o
que dizer das Cruzadas, da Inquisição, do processo colonizador ocidental, tantas
vezes genocida? Se o monstro terrorista demonstra fria indiferença pela vida
humana, em nome de seus valores, o que dizer da fria indiferença do ocidente em
relação aos milhões de refugiados orientais, morrendo afogados nas costas
europeias, perseguidos e abandonados pelos civilizados europeus?
Definitivamente, vivemos em tempos monstruosos, e sua melhor metáfora é
o zumbi, que mesmo morto segue adiante e se move; que mesmo morto, consome
incessantemente e sem necessidade. Diante deste monstro contemporâneo, quem é o
zumbi: o terrorista, que segue matando e destruindo sem sentido, ou as
sociedades ocidentais, que seguem matando e destruindo sem saber por que, em
seu interminável consumo de não viventes?
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