quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O monstro e os atentados de Paris

Seguramente, depois dos atentados terroristas em Paris, muita gente está se referindo aos terroristas como monstros, considerando monstruosos os próprios ataques. De fato, desde o lançamento, pelo ex-presidente George W Bush, da “guerra ao terror” e do combate ao “eixo do mal”, estabeleceu-se uma narrativa política e midiática que tem repetido de diversas maneiras o que observamos nas histórias de monstros criadas pela imaginação humana através dos tempos: a figura do monstro nasce da necessidade de determinarmos a linha que divide o humano do monstruoso, o bem, do mal.
Entretanto, como tentativas de oferecer parâmetros para definirmos o que é humano e civilizado, as histórias de monstro inevitavelmente fracassam neste objetivo, simplesmente porque a concepção de humano, do mal e do civilizado é sempre historicamente localizada e, portanto, relativa, variável.
Assim, em cada história a aparição do monstro tem sempre o efeito justamente contrário, isto é, de tornar cada vez mais borrada a linha que determina quem é humano e civilizado, e quem é monstruoso; o monstro desperta em nós o que temos de monstruoso.
Na realidade concreta dos atentados de Paris, a narrativa oficial das instituições ocidentais e sua mídia aponta seu dedo acusador: o monstro é islâmico, árabe, não branco, oriental, primitivo, bárbaro; nossa solidariedade deve ser com a civilizada comunidade europeia e seus cidadãos, que cultivam a liberdade, a fraternidade, a igualdade.
Mas, como nas narrativas ficcionais, o monstro chama a atenção para a crescente dificuldade em determinar justamente o que é civilizado: entrando pelas brechas da narrativa ocidental, explodem as acusações da barbárie histórica do colonialismo ocidental. Se os terroristas matam em nome de Deus, o que dizer das Cruzadas, da Inquisição, do processo colonizador ocidental, tantas vezes genocida? Se o monstro terrorista demonstra fria indiferença pela vida humana, em nome de seus valores, o que dizer da fria indiferença do ocidente em relação aos milhões de refugiados orientais, morrendo afogados nas costas europeias, perseguidos e abandonados pelos civilizados europeus?

Definitivamente, vivemos em tempos monstruosos, e sua melhor metáfora é o zumbi, que mesmo morto segue adiante e se move; que mesmo morto, consome incessantemente e sem necessidade. Diante deste monstro contemporâneo, quem é o zumbi: o terrorista, que segue matando e destruindo sem sentido, ou as sociedades ocidentais, que seguem matando e destruindo sem saber por que, em seu interminável consumo de não viventes?

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